O Dia da Consciência Negra, 20 de Novembro, convida o país a revisitar as feridas da escravidão. No entanto, é fundamental que o debate transcenda a raça e confronte a condição: a escravidão nunca foi apenas uma questão de cor, mas sim de opressão e exploração. Assim como hebreus, judeus e povos de diversas nações foram submetidos à servidão ao longo da história, hoje, no Espírito Santo, a opressão veste uma nova roupagem.
O novo escravo não está mais acorrentado pela senzala, mas sim pelo endividamento e pela privação. Ele é o cidadão pobre, o menos favorecido, cujas horas de trabalho mal cobrem o direito básico à sobrevivência.
O Retrato da Indignidade: Custo de Vida Contra o Salário Mínimo
A capital do Espírito Santo, Vitória, é palco de uma vergonha socioeconômica: enquanto o custo de vida básico para um único indivíduo ultrapassa R$ 2.000,00 mensais (estimativas de custo de sobrevivência básica, ver análise aqui), o salário mínimo federal, adotado pelo estado, é de apenas R$ 1.518,00 (Portaria do Governo Federal referente ao ano vigente).
Essa diferença abissal de quase R$ 500,00 mensais não é apenas uma estatística; é uma sentença de precariedade. O capixaba é forçado a escolher entre o essencial: moradia digna, alimentação completa ou transporte. Ele é o trabalhador aprisionado por uma lógica perversa onde o esforço integral não garante a dignidade mínima.
A Oligarquia da Cidade e a Prevaricação do Executivo
O Espírito Santo tem a prerrogativa constitucional de estabelecer um Piso Salarial Regional acima do mínimo federal para proteger o poder de compra de seus trabalhadores. Essa prerrogativa é dada pela Lei Complementar Federal nº 103/2000, que permite aos estados fixarem um piso salarial superior ao nacional.
No entanto, o executivo capixaba opta pela prevaricação institucional, mantendo-se inerte e aplicando, na prática, o menor piso salarial possível, o Salário Mínimo Nacional.
Essa escolha não é fruto da casualidade, mas sim da pressão direta da oligarquia da cidade. Uma elite empresarial que tem na mão de obra barata seu pilar de sustentação e que coage o poder público para garantir que o custo do trabalho permaneça artificialmente baixo.
Ao se abster de criar um piso salarial regional, o executivo se curva aos interesses dessa oligarquia, transformando a legislação na garantia da exploração contínua. Essa cumplicidade tem um custo humano elevado: o Espírito Santo ostenta a maior desigualdade salarial de gênero do Brasil (segundo o 2º Relatório de Transparência Salarial do Governo Federal). Em Vitória, a diferença chega a ser de 40% em certas categorias (conforme dados do IBGE, noticiados pela A Gazeta).
A urgência do tema ecoa até em Brasília, onde deputados capixabas participaram ativamente da votação do Projeto de Lei que visa equiparar salários entre homens e mulheres (veja a votação na Câmara dos Deputados), sublinhando a gravidade da disparidade que o Espírito Santo lidera.
O Desafio à Consciência Social: A Opção Ética e Barata
A matéria lança um desafio àqueles empresários da oligarquia que insistem em defender a mão de obra de baixo custo como condição para a “geração de emprego e renda”.
Se o imperativo do lucro exige o pagamento mínimo, o caminho ético está nos presídios.
Ao invés de explorar a miséria do trabalhador livre, o empresário tem a opção de montar seus negócios na cadeia, onde é possível pagar o valor mínimo legal pela hora trabalhada, oferecendo múltiplos benefícios sociais, como:
- Remição de Pena: Contribuindo para a ressocialização.
- Qualificação Profissional: Capacitando o indivíduo para a vida em liberdade.
- Renda Familiar: Ajudando a manter a família do detento com dignidade.
A verdadeira abolição capixaba não será feita por decreto de caridade, mas pela dor da responsabilidade social e pelo custo da dignidade humana.
É inaceitável que o executivo local continue a servir como um escudo protetor da oligarquia, sacrificando a qualidade de vida da maioria da população. O empresário que paga R$ 1.518,00 em um estado onde a sobrevivência custa R$ 2.000,00 não é um gerador de renda, é um perpetuador da dívida.
O Dia da Consciência Negra deve ser um chamado para a Consciência Econômica: a luta por um piso salarial regional decente é a luta moderna contra a servidão. A oligarquia da cidade precisa decidir se continuará sustentando a precarização ou se assumirá, de fato, a responsabilidade social nos locais onde o custo baixo é legalmente justificado e socialmente benéfico.
