A jovem aproximou-se da tenda adornada com símbolos ancestrais, o coração carregado de uma estranha angústia. Ao sentar-se sobre as almofadas gastas pelo tempo, fitou o Mago, cujos olhos profundos pareciam carregar o peso de muitas eras.
“Mestre,” começou ela, a voz embargada, “tive um sonho perturbador. Vi-me diante de um espelho, mas sua superfície estava coberta por uma densa camada de sujeira. Tentava desesperadamente limpá-lo, mas meus esforços eram vãos, e meu reflexo permanecia um espectro indistinto.”
O Mago a observou com serenidade, as mãos unidas sobre o colo. “O espelho dos sonhos, minha jovem, é a janela da alma. E a sujeira que cobre… o que ela te evoca?”
“Sinto… como se houvesse algo em mim que não quero ver”, respondeu ela, hesitante. “Algo que me causa desconforto, talvez até vergonha. É como um segredo sombrio que turva minha própria identidade.”

“Assim como a lama esconde o fundo de um lago,” ponderou o Mago, “há camadas em seu ser que obscurecem a pureza de sua essência. Esses véus, tecidos por experiências passadas e temores ocultos, impedem que você reconheça a beleza que reside em seu interior.”
“Mas por que não consigo limpá-lo?” perguntou a jovem, a voz carregada de frustração. “Eu tentava com todas as minhas forças, mas a sujeira parecia mais resistente a cada toque.”
O Mago sorriu enigmaticamente. “Por vezes, a sombra que reside no espelho é alimentada pela própria negação. Quanto mais você tenta ignorá-la, mais forte ela se torna. É preciso coragem para mergulhar nas águas turvas do inconsciente e confrontar as imagens que ali se escondem.”
Um silêncio carregado pairou entre eles antes que a jovem ousasse perguntar novamente: “E o que essa dificuldade em ver meu reflexo significa em um sentido mais profundo?”
“Imagine um portal embaçado pela névoa,” explicou o Mago, sua voz agora um murmúrio carregado de misticismo. “Ele ainda é um portal, uma passagem entre mundos. Mas a névoa impede que você veja claramente o que está do outro lado. Seu sonho revela que você está em um limiar, um momento de transição onde antigas energias se dissipam para dar lugar a novas. A dificuldade em se ver reflete um momento onde a conexão com seu eu mais profundo, com a tapeçaria cósmica da qual você faz parte, está obscurecida.”
“Então, como posso trazer clareza a esse espelho?” indagou ela, a esperança cintilando em seus olhos.

“A limpeza não vem da força bruta, mas da compreensão,” respondeu o Mago. “Observe a sujeira, tente entender sua natureza. Ela pode ser poeira de velhas feridas, respingos de arrependimentos não resolvidos ou mesmo a sombra de projeções alheias. Ao reconhecer sua origem, você começa a dissolvê-la. É como permitir que a água corrente leve a lama, revelando o leito cristalino do rio.”
Ele pegou um pequeno espelho de obsidiana que repousava sobre a mesa. “Este espelho menor reflete a escuridão sem julgamento. Observe-o. Às vezes, para limpar o grande espelho da alma, é preciso encarar os pequenos reflexos das sombras que nos habitam. E lembre-se, a jornada para a clareza é também uma jornada espiritual. Busque a pureza em seus pensamentos e ações, e a névoa começará a se dissipar, revelando a sua verdadeira imagem, límpida e radiante.”
A jovem contemplou as palavras do Mago, sentindo um fio de esperança se acender em seu coração. O espelho sujo em seu sonho já não parecia apenas uma fonte de angústia, mas também um chamado à introspecção e à busca por uma visão mais clara de si mesma e do universo que a cercava.
Jornalista Lauro Nunes
“O verdadeiro crescimento vem não da ausência de caos, mas da capacidade de florescer nele.”